domingo, 5 de junho de 2011

" Soneto "


Quando fico a pensar poder deixar de ser
antes que a minha pena haja tudo traçado,
antes que em algum livro ainda possa colher
dos grãos que semeei o fruto sazonado;

quando vejo na noite os astros a brilhar
- vasto e obscuro Universo, impenetrável mundo! -
quando penso que nunca hei de poder traçar
sua imagem com arte e em sentido profundo;

quando sinto a fugaz beleza de alguma hora
que não verei jamais - como doce miragem –
turva-se a minha mente, e a alma em silêncio chora

um impulsivo amor. E a sós, me sinto à margem
do imenso mundo, e anseio imergir a alma em nada
até que a glória e o amor me dêem a hora sonhada!


- John Keats ( inglês - 1795-I82l )

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ele:

É uma bebida inebriante para mim o ouvir a tua voz,
oh, magnífica do meu coração.
Vem. É a hora da eternidade que nos chega.


Ela:

Meu coração fica em suspenso quando estou em teus braços,
oh, dono do meu corpo,
e tu fazes aquilo que se espera.
Oh, sim, é doce a hora da eternidade.


(Escrito por volta de 1300 a.C., faz parte do Papiro Harris 500, guardado no British Museum)

quarta-feira, 1 de junho de 2011



Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme.
Quando a alma é viúva

Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece

Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…
Não paira vento, não há céu que eu sinta.

Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…

Fernando Pessoa