terça-feira, 10 de abril de 2012

Ode a um Rouxinol

"Meu coração sofre uma dor misteriosa
Como se eu bebera cicuta,
Ou ópio evanescente;
O minuto passado já naufragou no esquecimento.
Não invejo tua vida feliz,
Pois me sinto feliz em tua felicidade,
Onde Dríades aladas e luminosas pairam sobre as árvores
Nalguma melodiosa planície
De sombras e áreas verdes infinitas,
Tocada de leve pelo mormaço do verão.
Oh, a brisa sobre os vinhedos!
Refresca há muito tempo as profundezas da terra,
Saboreando a flora dos campos verdejantes,
Baila ao som de uma canção provençal e cora de alegria!
Oh, uma taça repleta do calor do Sul,
Transbordante do verdadeiro rubor do Hipocrene,
Borbulhando de espumas até a borda
E tingindo de púrpura os lábios que a tocam;
Aquela taça eu sorveria e o mundo se tornaria invisível,
E contigo eu desapareceria numa remota floresta.
Sumir para bem distante, até esquecer completamente,
Contigo no meio da folhagem,
O cansaço, a angústia e a aflição.
Aqui, onde os homens sentam e escutam, uns dos outros, os gemidos;
Onde a agitação e a tristeza sossegam um pouco,
Onde a juventude cresce firme e os fantasmas morrem;
Onde pensar é estar a salvo do sofrimento
E o plúmbeo olhar desaparece,
Onde a beleza não pode ocultar o teu olhar brilhante,
Nem um novo amor ansiar por algo além do amanhã.
Longe, muito longe, eu voarei contigo,
Nunca na carroça de Baco puxada por seus leopardos,
Mas nas asas invisíveis da Poesia.
Contudo, o pensamento se assusta e se atrasa:
Já contigo! Suave é a noite,
E por acaso a rainha lua encontra-se no seu trono,
Cercada por sua corte de estrelas;
Mas aqui não há luz
Exceto a que vem do céu com o sopro da brisa
Através da umbrosa verdura e de caminhos serpenteantes e relvosos.
Não posso ver as flores aos meus pés
Nem sentir o oloroso incenso que paira sobre a ramagem,
Mas inebriado, na penumbra, acho tudo doce.
Graças à oportuna primavera,
Contemplo a relva, o bosque e as árvores frutíferas;
Claros espinhos e madressilvas silvestres.
Fugazes violetas deitam-se sobre as folhas;
E destacam seu mais antigo broto;
Surge uma rosa amarela cheia de orvalho
A sussurrar sua habitual canção do entardecer.
Secretamente escuto, e muito tempo
Fico quase fascinado pela leveza da morte,
Chamei-a por palavras ternas em várias rimas,
Para se mesclar ao ar da minha calma respiração;
Agora, mais do que nunca, parece doce morrer
Para tudo acabar à meia noite, sem nenhuma dor,
Enquanto tua arte flui, tua alma te abandona
Num êxtase absoluto!
E ainda tu cantarias e eu escutaria em vão -
A fim de que teu réquiem se tornasse um adeus.
Tu não nasceste para morrer, pássaro imortal!
Nem a fome dos homens ousou te abater;
A voz que a noite passada eu escutei
Também foi ouvida pelos palhaços e imperadores de outrora;
Talvez a tua própria canção haja encontrado um caminho
Através do triste coração de Ruth, quando doente em sua casa,
Ela chorou lágrimas nutritivas que te alimentaram;
As mesmas que tiveste, muitas vezes
Nos mágicos beirais;
Nas espumas das vagas
De perigosos mares, ou na terra encantada do desespero.
Desespero! Esta palavra é como um sino
Cujo dobre traz-me de volta o meu passado!
Adeus! A ilusão não pode enganar para sempre.
Adeus! Adeus! Teu lamentoso canto silencia,
Ainda há pouco se ouvia perto das campinas, sobre o regato,
Nas encostas da montanha; mas agora está sepultado profundamente
Numa clareira de um vale próximo.
Teria sido uma alucinação ou um sonho velado?
Acabou aquela música: - Estou desperto ou durmo." 

John Keats (1795-1821)


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Hanna's Theme

Dream... how I dream to feel.
Dream... how I dream to feel,
And everything will fill with light.
A golden sun would fool this night
And all that is and ever was.
Begin again. Begin again.

To feel, finally for real.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011


Cada pedaço de mim
sabe o inferno que é ser
sol em noites de chuva,
ser cor nos cinzas dos edifícios,
ser luz na escuridão das manhãs.

Cada todo de ti sabe a delícia
que é ser flor nas asas do vento,
ser cristal nos olhos das fadas,
ser azul no fundo do mar.

Cada suspiro de nós sabe
a angústia que é ser só um
na multidão dos dias,
ser muito na pobreza da esquina,
ser ninguém na roda da vida.

Enquanto isso os relógios se vão,
e veem aqueles que sabem
o que é apenas ser na
ausência do nada.

(Clarice Lispector)
Não me prendo a nada que me defina.
Sou companhia, mas posso ser solidão.
Tranquilidade e inconstância.
Pedra e coração.
Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor,
sarcasmo, preguiça e sono!
Música alta e silêncio.
Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser.
Não me limito, não sou cruel comigo!
Serei sempre apego pelo que vale a pena
e desapego pelo que não quer valer…
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência
e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.

Clarice Lispector


Trobar de Morte - Ailein Duinn

domingo, 5 de junho de 2011

" Soneto "


Quando fico a pensar poder deixar de ser
antes que a minha pena haja tudo traçado,
antes que em algum livro ainda possa colher
dos grãos que semeei o fruto sazonado;

quando vejo na noite os astros a brilhar
- vasto e obscuro Universo, impenetrável mundo! -
quando penso que nunca hei de poder traçar
sua imagem com arte e em sentido profundo;

quando sinto a fugaz beleza de alguma hora
que não verei jamais - como doce miragem –
turva-se a minha mente, e a alma em silêncio chora

um impulsivo amor. E a sós, me sinto à margem
do imenso mundo, e anseio imergir a alma em nada
até que a glória e o amor me dêem a hora sonhada!


- John Keats ( inglês - 1795-I82l )